Casa das Chaves (Mouraria, Lisboa)
Rua das Fontainhas a São Lourenço 45, ao Martim Moniz
Concepção: EBANOCollective
Direção e realização artística: Lorenzo Bordonaro (EBANOCollective)
Equipa de pesquisa: Catarina Laranjeiro (Universidade Livre de Berlim), Vítor Barros (EBANOCollective), Chiara Pussetti (EBANOCollective), Elettra Bordonaro (Social Light Movement), Marta Luz (Universidade Nova de Lisboa).
Founded in 1865, and inaugurated in the now demolished Palace of the Marquis of Alegrete, the Casa das Chaves (a key cutter house) was abandoned in the mid-eighties of the XXth century. It remains however an important landmark in Mouraria downtown, still remembered by many inhabitants of this area of old Lisbon. This installation aims to decipher the past and to explore the memories of a neighbourhood with a recent history of deep rifts, both in the urban and in the social landscape. Through the materials found in the interior of the Casa das Chaves, and with the collaboration of its ancient staff, this installation allows the public to recover small memories linked to the material culture: small memories, hand movements repeated for years and stratified into objects.
Fundada em 1865 e instalada inicialmente no palácio do Marques de Alegrete a ‘Casa das Chaves’ representa uma marca importante no território da baixa da Mouraria, ainda presente na memória dos moradores daquela zona da antiga Lisboa. Depois da demolição do palácio do Marques de Alegrete em 1946, a Casa das Chaves foi transferida para a rua das Fontainha a São Lourenço nº 45, onde ficou ativa até os meados dos anos 1980. Fechada e abandonada depois dessa data, o prédio foi se degradando, e acabou por ser devoluto à Câmara Municipal de Lisboa e por fim emparedado.
Antes da intervenção
Foto de Vítor Barros
Foto de Vítor Barros
Foto de Vítor Barros
A exploração da zona e as conversas com os antigos moradores daquele lugar, a prolongada frequentação etnográfica daqueles becos, apontaram para a centralidade da Casa das Chaves na memoria das pessoas e nos seus percursos quotidianos, e a sua pena para o estabelecimento se encontrar em situação de abandono. EBANOCollective pediu então o desemparedamento do edifício à CML, o que foi gentilmente concedido. O interior encontra-se em evidente estado de abandono, mas ainda riquíssimo em vestígios da atividade artesanal e comercial que durante décadas ocorreu. Chaves, fechaduras, ferramentas, objetos de uso quotidiano, contentores e gavetas utilizados para arrumar os materiais de trabalho, tudo corroído pela ferrugem e as vezes sepultado entre os destroços que se foram acumulando. O senhor Mário e o senhor Augusto, antigos trabalhadores no estabelecimento, visitaram o espaço, fornecendo informações preciosas sobre as ferramentas utilizadas, as atividades que ocorriam, e a história do estabelecimento.
A utilização dos materiais encontrados no interior da Casa das Chaves para realizar a intervenção artística surgiu então como estratégia central. O emprego destes materiais, próximos à experiência e à memória das pessoas, permitiu uma contiguidade humana e uma coerência estética para com o contexto local. A intervenção incluiu também a reativação do grande reclame luminoso do estabelecimento comercial da Casa das Chaves, visível do largo Martim Moniz. A obra situa-se assim, segundo a sugestão de Christian Boltanski, na margem entre arte e vida, os moradores e os antigos trabalhadores da Casa das Chaves olhando para a intervenção sem saber exatamente se trata-se de arte ou de uma exibição sobre a sua propria vida. Trata-se de uma operação de arqueologia do quotidiano e de recuperação das pequenas memórias que estão ligadas à cultura material, às pequenas coisas, aos gestos repetidos durante anos e que se estratificam nos objetos. A instalação pretende assim ter um papel na decifração do passado e na exploração das memórias num bairro cuja história recente tem sido caracterizada por rupturas profundas, em termos urbanísticos e sociais. A instalação salienta também a transformação do sistema local de produção e o gradual desaparecimento dos artesãos, tanto presentes no bairro da Mouraria há umas décadas.
Fotografias de Francesco La Pia
A instalação ocupa as paredes exteriores da Casa das Chaves, e uma parede lateral do Salão Lisboa, antigo cinema do bairro, na rua das Fontainhas a São Lourenço, ao pé do Martim Moniz, num diálogo quotidiano com o espaço público. A intervenção na Casa das Chaves configura-se portanto também como um manifesto para uma arte de rua que faça do espaço público não só o lugar da sua expressão, mas a origem da sua inspiração; não meramente o pano de fundo para uma obra projetada outrem, mas o lugar onde a intervenção artística é concebida, em relação com as especificidades arquitectónicas, estéticas, históricas e sociais. Segundo a filosofia do EBANOCollective, a intervenção no espaço urbano constrói-se in situ, a partir do contexto: a obra não é pré-existente, mas surge cada vez num processo relacional e etnográfico, a partir dos objetos, dos espaços, dos materiais e das pessoas.
A intervenção do EBANOCollective na Casa das Chaves foi possível graças ao concurso ‘Muda o Bairro da Mouraria’ promovido pela associação Renovar a Mouraria e pela Câmara Municipal de Lisboa. A reparação do reclame luminoso contou com o patrocínio da AURA LIGHT e a colaboração da Divisão de Iluminação Pública da Câmara Municipal de Lisboa.